Será que existe um universo paralelo com versões alternativas de nós mesmos?Medidas da taxa de expansão do universo implicam em anomalias desconhecidas?
A inflação cósmica
A teoria inflacionária foi proposta na década de 1980 como uma solução para problemas na teoria do Big Bang quente. Logo em seguida, vários modelos inflacionários surgiram para desenvolver a ideia e abordá-la sob outros pontos de vista. Um dos principais problemas do Big Bang clássico era o Problema do Horizonte — a radiação cósmica de fundo em micro-ondas (ou CMB, a luz mais antiga que podemos ver) é exatamente a mesma em qualquer canto do universo ao observá-lo em grande escala. Embora existam pequenas irregularidades, ou “manchas”, a CMB parece bastante isotrópico, isto é, com grande grau de homogeneidade. Uma vez que a CMB foi “descolada” da matéria que existia na época, ela pode ser considerada um mapa da topologia do universo naquela época, 380 mil anos após o Big Bang. Tal isotropia não pode ser explicada pelo modelo até então aceito do Big Bang, pois a homogeneidade é encontrada até mesmo em diferentes regiões que, de acordo com o Big Bang, nunca poderiam ter interagido entre si, em nenhum momento da história do cosmos. Em um universo sem a inflação, a expansão após o Big Bang seria lenta e o universo se tornaria cada vez mais curvo e deformado com o tempo, devido aos efeitos da gravidade no espaço e na matéria. Porém, as observações mostram que o nosso cosmos é uniforme e plano. A inflação cósmica resolveu esse problema, colocando o Big Bang de acordo com essas observações.
O período inflacionário e o Big Bang
A inflação teria sido um período antes do Big Bang (alguns modelos localizam-na logo após o Big Bang) em que o espaço se expandiu exponencialmente a uma velocidade estupenda, antes que a matéria pudesse se formar. É como se uma forma de bolo estivesse sendo criada para a massa de bolo viesse em seguida. Então, veio o Big Bang, dando origem a um universo denso, quente e uniforme, evoluindo logo para um estado mais frio, mais difuso e “granuloso”, ou com “falhas”, onde a matéria acabou por se aglomerar pela força da gravidade. Essas falhas são observadas no padrão da radiação cósmica de fundo em micro-ondas (mas não implicam em uma violação da isotropia).
Inflação cósmica em debate
Hoje, o modelo inflacionário é o mais aceito pela comunidade científica, mas ainda há muitos questionamentos — até porque não é uma teoria escrita em pedra, apesar de ser sustentada por algumas evidências. É neste campo que o debate fica um pouco acalorado. Entre os “adversários” da inflação estão alguns gigantes da ciência, como o vencedor do Prêmio Nobel de Física em 2020 Roger Penrose. “Sempre considerei a inflação uma teoria muito artificial”, afirmou após receber a premiação. Para ele, a teoria não morreu ao nascer por ser a única que explicou o Problema do Horizonte. Paul Steinhardt, um dos primeiros a desenvolver a teoria inflacionária, também parece cansado com aquilo que ele chama de falta de testabilidade e de previsões da teoria. “A teoria é completamente inconclusiva”, disse ele anteriormente. Em 2017, três autores — Anna Ijjas, Paul J. Steinhardt e Abraham “Avi” Loeb, que se consideram “pensadores livres — publicaram um artigo que também argumentava contra a ideia da inflação cósmica. Eles defenderam que o universo começou não com um “Bang”, mas com um tipo de “salto” de um cosmos anteriormente em contração. No artigo, eles afirmam: Mas o que é este salto? Trata-se de um evento hipotético que poderia ser descrito como um Big Bang reverso. Em algumas de suas versões, o universo é cíclico: ele se contrai até se tornar extremamente compacto (em uma singularidade) e, em seguida, se expande como no Big Bang. Depois se contrai, e assim por diante. Os três autores também fizeram afirmações ousadas, como “[a inflação] não pode ser avaliada usando o método científico”. Após a publicação desse artigo, um grupo de 33 físicos — incluindo Stephen Hawking — assinaram uma carta em defesa da inflação cósmica, questionando as afirmações do trio de pensadores livres.
O “contra-ataque”
Agora, Avi Loeb volta ao tema, dessa vez ao lado de Sunny Vagnozzi, da Universidade de Cambridge, para dizer como a inflação cósmica poderia ser descartada por uma observação inédita: encontrar um fundo cósmico, não de micro-ondas, mas de grávitons. A hipotética partícula chamada gráviton é uma tentativa de estabelecer uma teoria da gravidade quântica, mas ela ainda não foi observada. Mas é uma das grandes esperanças dos físicos nos esforços de unificar a gravidade e a mecânica quântica. Entretanto, os atores afirmam que um fundo de gráviton (radiação de gravitons desacoplados logo após o Big Bang, que, assim como a CMB, poderia ser observada em todas as direções) eliminaria a ideia da inflação cósmica. Para isso, eles propuseram a detecção de um fundo de ondas gravitacionais (ondulações no espaço tempo) de alta frequência, com pico em frequências em torno de 100 GHz. Isso faz sentido, considerando que não seria necessário confirmar a existência de grávitons em um laboratório, por exemplo. Os detectores atuais podem capturar apenas ondas gravitacionais produzidas por eventos como colisões entre buracos negros ou estrelas de nêutrons. Para detectar um fundo cósmico de ondas gravitacionais, seria necessário um grande avanço tecnológico. Apesar desse desafio, a dupla de pesquisadores está otimista que esse sinal de CGB pode estar ao nosso alcance no futuro. O artigo descreve algumas possibilidades calculadas pelos autores de encontrar pistas com a combinação de dados de vários telescópios de próxima geração.
Contrapontos à hipótese do “salto”
Inflação cósmica é consenso na comunidade científica, e há boas razões para isso. Ela resolve os problemas do Big Bang e, à medida que surgem novas observações contrárias à inflação, novos modelos inflacionários fazem ajustes para tudo funcionar novamente conforme as exigências do método científico. Isso não significa que ela seja inquestionável — pelo contrário, os astrônomos gostam de investigar todas as contradições que encontram, já que essa é a própria natureza da ciência. Como a inflação cósmica não é uma teoria única, e sem uma classe de modelos baseada nos mesmos princípios, eles negam que haja necessidade de substituí-la, ao menos por enquanto. Além disso, Avi Loeb e seus colegas se agarram à afirmação de que a ideia inflacionária não faça previsões que não possam ser observadas. Os assinantes da carta em defesa à inflação também rejeitam essa declaração, mas o embate segue com o novo artigo de Loeb e Vagnozzi. Há muitas questões a serem respondidas na ideia do “salto”. Uma delas diz respeito à singularidade, o ponto minúsculo de toda a matéria do universo colapsada, que seria o estado inicial antes do Big Bang. Essa proposta já foi um paradigma, mas a singularidade “quebra” a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein. Para aplicar a singularidade aos modelos atuais do Big Bang, seria preciso unificar a relatividade geral com a mecânica quântica. Esse é um dos maiores desafios da física atual e um dos caminhos possíveis é uma teoria da gravidade quântica comprovada, algo que ainda não existe — apesar de fortes candidatos como a Teoria das Cordas e partículas como o gráviton. Por fim, a hipótese do universo em saltos ainda não consegue responder perguntas básicas, como: o que veio primeiro? A ideia do universo expandindo e contraindo em um novo Big Bang ainda precisa encarar o desafio de explicar como teria sido o começo desse ciclo. Além disso, antagonistas do universo em salto argumentam que, se o universo fosse o resultado de outro universo que contraiu de volta em uma singularidade, a topologia do universo anterior deveria aparecer na radiação cósmica de fundo. O novo artigo de Loeb e Vagnozzi foi publicado na The Astrophysical Journal Letters. Fonte: Astrophysical Journal Letters, University of Cambridge, Ijjas|Steinhardt|Loeb, Scientific American