O caso vem da Austrália. No final de 2015, o neurocirurgião Ralph Mobbs, do Hospital Prince of Wales, em Sydney, recebeu a missão de tratar um senhor (nome não revelado) diagnosticado com cordoma. Costumeiramente, casos como esse são desafiadores ao extremo. Essa doença é uma forma de câncer que afeta ossos do crânio e da coluna vertebral. Embora raros e de crescimento lento, tumores desse tipo são particularmente complicados: o crescimento costuma ocorrer perto de nervos, artérias e outras estruturas críticas, dificultando bastante o tratamento. Nos casos mais extremos, o tumor pode provocar lesões irreversíveis na medula, causando paraplegia ou mesmo tetraplegia. A quimioterapia pode ser usada para retardar ou conter o crescimento desse tipo de tumor, mas não costuma causar diminuição porque os agentes quimioterápicos atacam as células de crescimento rápido — relembrando, o cordoma é um tumor que se desenvolve lentamente. Já a radioterapia é uma forma de tratamento que, para essa forma de câncer, costuma ser aplicada para diminuir as chances de recorrência após a ressecção do tumor. Esses pontos deixam claro que o tratamento primário para cordoma é a cirurgia. É o caso do senhor de Sydney, portanto. O tumor dele se desenvolveu nas duas primeiras vértebras logo abaixo do crânio. Ambas têm participação importante nos movimentos de rotação e flexão da cabeça. Esse é, consequentemente, um dos piores lugares para esse tipo de tumor crescer. Nessa região, a falta de tratamento rápido pode simplesmente deixar o paciente tetraplégico. Qualquer abordagem clínica equivocada também.
Em vértebras mais abaixo, os médicos provavelmente fariam a ressecção do tumor e um subsequente procedimento de enxerto ósseo para preencher as partes removidas. Mas, no caso das vértebras desse paciente, experiências anteriores indicam que a reconstrução óssea naquele ponto é muito complicada. Dificilmente os cirurgiões teriam sucesso. Foi aí que Mobbs teve a ideia de apelar para a impressão 3D. O médico entrou em contato com a Anatomics, empresa especializada em implantes que já criou, por exemplo, uma prótese de costelas em impressora 3D para um senhor diagnosticado com sarcoma. Coube à Anatomics criar, também em uma impressora 3D, as vértebras do senhor de 60 anos. O material usado foi o titânio, que além de resistente fisicamente, apresenta risco baixo de rejeição pelo organismo. A vantagem da impressão é que a prótese foi construída com as medidas exatas para o implante. Com isso, as chances de alguma coisa ficar irregular, como provavelmente aconteceria com o enxerto ósseo, diminuíram drasticamente. Mas não foi só isso. A Anatomics também imprimiu modelos das vértebras para que os médicos pudessem realizar estudos anatômicos mais detalhados do caso e, principalmente, treinar antes do procedimento. Deu certo. Por conta da extrema complexidade, a cirurgia demorou mais de 15 horas, mas poderia ter levado mais tempo se a equipe médica não tivesse praticado com os modelos. O importante é que o procedimento foi realizado com sucesso. Vértebras feitas em impressora 3D já haviam sido implantadas antes, mas é a primeira vez que um procedimento do tipo é realizado na região da cabeça e pescoço. De acordo com Mobbs, o senhor se recupera bem. Ele está tendo que lidar com algumas complicações causadas pela cirurgia, como dificuldade de engolir, mas essa função deverá ser recuperada gradualmente. A capacidade de mexer a cabeça e, claro, o restante do corpo, não foi prejudicada (exceto pelas limitações necessárias para a recuperação da cirurgia, é lógico). Isso é o que mais interessa, certo? Mobbs acredita que esse é só o começo da mudança de paradigma que as impressoras 3D devem trazer à medicina. Para o médico, o próximo passo é a impressão de órgãos e tecidos com material biológico, muitas vezes a partir de células do próprio paciente. Não estamos distantes desse futuro. Na semana passada, um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos apresentou uma impressora 3D capaz de produzir músculos, cartilagens e até ossos similares aos “originais”. O segredo está justamente na combinação de material biológico com componentes sintéticos (neste caso, uma espécie de plástico biodegradável). Com informações: Mashable, ABC